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A fome tem classe e cor: reflexões sobre o dia da saúde e nutrição

Por: Debora Silva do Nascimento Lima e Mariana Espíndola Robin No dia 31 de março comemoramos o Dia da Saúde e Nutrição, data em que se incentiva a prática de atividades físicas e hábitos alimentares saudáveis. Mas no mês em que marcamos 1 ano vivendo a pandemia da COVID-19, para qual população tais práticas são possíveis? A partir disso, o que podemos pensar em relação a essa data? Pensar e falar sobre saúde e nutrição é abarcar todo o significado e sentido de forma ampla, levando em consideração o acesso à água, saneamento básico, renda, que chamamos de determinantes e condicionantes sociais em saúde e defendendo o acesso à alimentação adequada, que é um direito considerando a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006 que é a Lei Orgânica de  Segurança Alimentar e Nutricional, a qual define que:
Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) entende-se a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006).
Nesta perspectiva, fazendo relação com o momento em que estamos vivendo, a pandemia tem se mostrado cruel e escancarando as desigualdades sociais existentes no Brasil em que as trabalhadoras e trabalhadores não estão conseguindo ter seu direito à saúde e alimentação garantidos pelo Estado. De acordo com o IBGE (2020), no terceiro trimestre de 2020 o desemprego chegou a 14,3%, sendo a maior taxa já registrada desde 2012. Já a Pesquisa de Orçamentos Familiares (2020), que trouxe dados dos anos de 2017 e 2018, apresentou que dos 209,5 milhões de brasileiros, pelo menos 10,3 milhões estavam em situação de privação severa de alimentos, segundo dados da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). Ou seja, a insegurança alimentar e a fome vem crescendo desde antes da pandemia, mas agora se torna mais expressiva e nos faz refletir: como está a situação das famílias nesse momento? Além disso, a falta de políticas públicas eficientes no enfrentamento às consequências da pandemia da COVID-19 só contribuem para que a população não acesse alimentos de qualidade ou que tenham seus direitos minimamente garantidos. As políticas de transferência de renda se fazem necessárias para minimizar impactos da pandemia e do isolamento social e mitigar a segurança alimentar, como é o caso do auxílio emergencial, que se mostrou importante na renda das famílias. Como o nome já fala, emergencial, até o presente momento sem perspectivas concretas de manutenção do valor (R$ 600,00) e continuidade do repasse às famílias. Esta instabilidade violenta, mais uma vez, milhões de brasileiros. Diante desse cenário, fazemos o recorte para alguns territórios. Quando falamos em periferias e favelas onde os impactos e as consequências das políticas liberais são marcadas, também, pela violência armada e subjetiva, a negligência e o descaso. Esses territórios são majoritariamente habitados pela população negra, sabendo disso, podemos chamar o que vivemos hoje de necropolítica em que o racismo é base para exercer o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer (MBEMBE, 2006). Portanto, a pandemia atinge desigualmente as diferentes classes sociais, mas, principalmente, a população preta e parda, e quando analisamos os dados por gênero, o IBGE (2020) evidencia que mais da metade dos domicílios em situação de insegurança alimentar são chefiados por mulheres. Somado a esses fatores houve, ainda, o aumento no valor da cesta básica. Pensando nas trabalhadoras e trabalhadores que têm como renda um salário mínimo, estima-se que pelo menos 56,57% desta renda é comprometida com a compra de alimentos básicos. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos (2021), realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o valor da cesta básica no município do Rio de Janeiro, no início de 2021, estava em torno de R$ 644,00, dessa forma, superando o valor atual do auxílio emergencial. É importante destacar que o aumento mais expressivo no valor dos alimentos foram nos itens que chamamos dos in natura  e minimamente processados,  como por exemplo, banana, batata, arroz, feijão e carne bovina alimentos que o Guia Alimentar para a População Brasileira (2014) preconiza como a base da alimentação tanto pelo componente nutricional, como expressão da nossa cultura alimentar. Com o aumento do custo desses alimentos o que se torna disponíveis para a população são os alimentos ultraprocessados, que são aqueles industrializados com inúmeros aditivos químicos que não só tem uma qualidade nutricional baixa, como também estão associados ao acometimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão, e desconsidera os hábitos alimentares regionais. A luta pelo Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) sempre foi dos movimentos sociais no tensionamento do poder público para que os direitos estivessem garantidos. Sem a pretensão de ausentar o dever do Estado nesse processo, neste um ano de pandemia, destacamos as ações dos coletivos e movimentos de favelas que através de articulações múltiplas fizeram com que milhares de famílias não passassem fome. Portanto falar da data que se comemora o Dia da Saúde e Nutrição no ano que estamos vivendo a maior crise sanitária dos últimos tempos, a qual está acontecendo na fase mais cruel do capitalismo até hoje é pensar numa nutrição crítica, reflexiva, combativa e comprometida com os interesses da classe trabalhadora e na luta pela garantia dos direitos. Por isso, neste dia 31 de março continuamos afirmando que falar sobre saúde e nutrição é  investir na saúde pública, universal, de qualidade, como é o Sistema Único de Saúde (SUS), defendendo a destinação de recursos necessários para isso, a continuidade do auxílio emergencial no valor de R$600,00 ou mais e a garantia das condições básicas de vida digna, assim como o acesso a alimentos de qualidade. Defendemos que ter comida no prato é direito, que comer é um ato político, é cultura e partilha.   O SUS  É NOSSO NINGUÉM TIRA DA GENTE DIREITO GARANTIDO NÃO SE COMPRA  E NÃO SE VENDE! ‍ Sobre as autoras: Mariana Robin - Graduada em Nutrição pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Especialista em Saúde da Família pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz). Colabora com o LabJaca. Debora Lima -Graduada em Nutrição pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Saúde da Família (ENSP/FIOCRUZ). Apoiadora Institucional da Atenção Básica no município de Cabo Frio. Colabora com o LabJaca. Referências utilizadas  BRASIL. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos-Janeiro 2021. São Paulo, 2021. Disponivel em: <https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2021/202101cestabasica.pdf> Acessado em 23 de março de 2021.   ______. Lei Nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília, 15 set. 2006   ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a População Brasileira. 2 ed. Brasília: ed. Ministério da Saúde, 2014.   IBGE,Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em < https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php> Acessado em 23 de março de 2021. IBGE, Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil/ IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. - Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 120 p. MBEMBE, A. Necropolitique. In: Traversées, diásporas, modernités. España: Melusina, 2006. p.18- 75.

Episódio 1: O que é o LabJaca?

https://youtu.be/cfg2XHw2uYs Websérie: Favela x Pandemia / Episódio 1: O que é o LabJaca? ‍ Nesse primeiro episódio falaremos sobre o que nos move, porque resolvemos começar agora e o que temos a oferecer, e não é pouco. Ao todo, serão cinco videos na série, onde falaremos sobre o LabJaca, a favela do Jacarezinho, questões sanitárias e culturais relacionadas a pandemia da covid-19 e como a favela se movimenta para um “pós-pandemia”. Então da o play, curte o video, compartilha com o geral e ajude a espalhar a palavra do LabJaca. Roteiro e direção: Bruno Sousa, Mariana Galdino e Vinicius Morais Câmeras / Som / Edição: Max Chagas e Gerente

Episódio 2: Na visão do morador

https://youtu.be/JqSzynZVij4 Websérie: Favela x Pandemia / Episódio 2: Na visão do morador ‍ Aposto que você já ouviu falar muita coisa sobre o Jacarezinho, mas não dessa forma. Enxergar os problemas na favela é enxergar que eles podem ser solucionados. Conversamos sobre os problemas condicionados historicamente a nós, mas sobretudo mostramos que a favela é potente econômica e culturalmente, que pulsa vida, acolhe e forja caráter. Permitir ao morador de favela ser figura central de sua narrativa é primordial. Está no ar o segundo episódio da nossa série - NA VISÃO DO MORADOR. Nesse episódio conversamos com Joel Luiz @joelluiz_adv (advogado da favela do Jacarezinho), Júlio César (CEO da Jcré Facilitador @jcrefacilitador ), Leandro Fernandes (filósofo, pesquisador e educador comunitário) e com a Aline Reis e Weverton Augusto (agentes comunitários de saúde). Roteiro e direção: Bruno Sousa @vvracional , Mariana Galdino @eugaldino e Vinicius Morais @barba.falhada Câmeras / Som / Edição: Max Chagas @maxchagas_ e Gerente @gerente_rique Com legendas em Português e Inglês.

Episódio 3: Pandemia

https://www.youtube.com/embed/Iu5ITB4T_kw Websérie: Favela x Pandemia / Episódio 3: Pandemia ‍ A favela está se virando durante a pandemia da covid-19 da mesma forma que sempre se virou, nós por nós. Quer saber a verdade por trás do coronavírus nas favelas? Então chega mais, está no ar o nosso terceiro episódio e o papo é pandemia. Estamos enfrentando a maior crise sanitária da nossa geração. A covid-19 nos pegou de surpresa e assentou as desigualdades já existentes na sociedade e a favela, como sempre, ficou em último caso. Perdemos mães, pais, irmãos, amigos e entes queridos, perdemos empregos, diretos de ir e vir e nos sentimos invisibilidades. Os dados do estado sobre o número de infectados pelo coronavírus nas favelas não são reais e aqui no Jacarezinho, como em todas as outras favelas do país, a população teve de se virar como podia para conter os impactos da pandemia. A campanha do Jaca Contra o Corona, em parceria com a Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira e voluntários de dentro e fora da comunidade foi muito positiva, atendendo milhares de famílias com cestas básicas e kits de higiene. Sempre deixamos claro que nossa intenção não era acabar com a fome no Jacarezinho, mas sim levar conscientização sobre saúde nesse momento tão difícil. O que esperamos para esse pós-pandemia que se desenha, é que a favela seja parte do plano de reconstrução da sociedade e que os profissionais da saúde desses territórios não sejam esquecidos quando tudo isso passar. Nesse episodio conversamos com: Seimour Souza - Coordenador da campanha do Jaca Contra o Corona / Relacoes Institucionais LabJaca Geiza - Farmacêutica residente da FIOCRUZ na Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira Ruth - Dona de casa Wellington- Agente comunitário de saúde da Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira Jucilene - Cozinheira Rita Helena- Médica na Clínica da Família Anthidio Dias da Silveirae Fiotec - Fundação de Apoio à Fiocruz Roteiro e direção: Bruno Sousa @vvracional , Mariana Galdino @eugaldino, Thiago Nascimento @thgnascimento_ e Vinicius Morais @barba.falhada Câmeras / Som / Edição: Max Chagas @maxchagas_ e Gerente @gerente_rique Com legendas em Português e Inglês.

Episódio 4: O Pós-pandemia

https://www.youtube.com/embed/s0cH69vZ5Ac Websérie: Favela x Pandemia / Episódio 4: O Pós-pandemia ‍ Um dos principais objetivos do LabJaca é potencializar a narrativa dos moradores de favela. O que começou como uma websérie para apresentar ao mundo jovens insatisfeitos com os dados oficiais, terminou com uma série documental que vai ficar para a história. A pandemia da Covid-19 não acabou, mas o mundo se movimenta para uma retomada das atividades. Nesse episódio Buba Aguiar (FalaAkari), Ricardo Fernandes (Frente CDD), Magda Gomes (Rocinha Resiste) e Thiago Nascimento (Jaca Contra O Corona) falam com detalhes sobre o processo de organização desses coletivos para o enfrentamento do coronavírus nas favelas. Campanhas, grupos de whatsapp, grandes articulações nacionais entre comunicadores de favela, pesquisas quantitativas, parcerias com empresas hegemônicas, desenvolvimento de um plano de enfrentamento específico à covid nas periferias, apresentação de demandas as casas legislativas e a instituições de segurança pública; muito do que essa juventude de favela fez durante a pandemia não cabe no roteiro.Sabemos que esse momento de maior empatia da sociedade com a favela; seja com ADPF, seja com doações; vai acabar. E para onde vão esses coletivos? Como eles podem se estruturar para continuar ajudando a sua comunidade? Quem vai caminhar com a favela em uma reestruturação quando essa poeira abaixar? Apreciem e reflitam com o último episódio da nossa websérie sobre territórios e pandemia, EP 4 - O Pós-pandemia. Nesse episódio conversamos com: Buba Aguiar (@thebuuba) Patologista, Socióloga, Militante e Comunicadora. Magda Gomes (@amagdagomes) Vice-Presidenta do Ponte Para Pretxs, Pesquisadora e Gestora de Projetos. Ricardo Fernandes (@ricardonandes1) Ator, Comunicador, Diretor Criativo na Agência BRECHA, Fundador do Grupo Cultural Arteiros. Thiago Nascimento (@thgnascimento_) Gestor no LabJaca, Jacaré Basquete e Reciclar Design; Graduando em Direito - UERJ. Mediação: Mariana Galdino (@eugaldino) Gestora no LabJaca, Coord. no pré-vestibular Arteiros, Graduanda em Direito - UERJ. Roteiro e direção: Bruno Sousa @vvracional , Mariana Galdino @eugaldino, Thiago Nascimento @thgnascimento_ e Vinicius Morais @barba.fxgz Câmeras / Som / Edição: Max Chagas @maxchagas_ e Gerente @gerente_rique

Painel Unificador Covid-19 nas Favelas

https://www.youtube.com/embed/WfJzh1-uVsQ O Painel Unificador Covid-19 nas Favelas (http://www.favela.info​), a mais consistente fonte de dados atuais sobre o alcance da pandemia nas favelas, busca conscientizar a população sobre a importância do acesso a dados sobre a situação real da pandemia nessas regiões, e convida ao público a declarar seus próprios casos de Covid-19 (http://avaliarcovid.favela.info​). O Painel é realizado por uma rede de 20 coletivos, organizações e iniciativas engajadas com a prevenção e documentação da pandemia nos territórios. Foi lançado em julho em resposta à subnotificação de dados sobre Covid-19 nas comunidades da Região Metropolitana do Rio, e hoje contempla 185 favelas, número que cresce a cada semana com a entrada de novas fontes de dados. ‍#DadosSalvamVidas​ #DadosSãoPoder​ #Covid19NasFavelas #PainelUnificadorDasFavelas Produção, direção e Roteiro: LabJaca Gravação e edição: Max Chagas Diretor de som: Gerente

Armar a guarda municipal é um atentado contra a vida.

O que vale mais: patrimônios ou vidas?

No dia 26 de fevereiro deste ano, o prefeito Eduardo Paes apresentou à Câmara Municipal um pacote de projetos de lei, dentre eles estava uma proposta de emenda à Lei Orgânica, na qual pretende se fazer com que a Guarda Municipal (GM) do Rio de Janeiro possa usar armas de fogo. O projeto foi inspirado na cidade de São Paulo, que teve uma redução no número de homicídios a cada 100 mil habitantes, mas ignora completamente toda a complexidade do Rio de Janeiro, uma cidade praticamente tomada por milícias, com suas íntimas relações com o Estado. Segundo o atual prefeito, a GM poderia fazer um papel de polícia municipal, desse modo, afastando de início qualquer pretensão de que esses agentes municipais ou que o próprio modelo de segurança pública municipal seja pautado a partir de uma ótica menos militarizada e mais humana. A Guarda Municipal é uma guarda patrimonial cujo objetivo é a proteção de bens, serviços e instalações públicas. Armar a GM em uma cidade como o Rio, onde os índices de mortes cometidas por agentes do estado estão entre os maiores do mundo, leva ao questionamento cíclico de que patrimônios importam mais que vidas. A GM não combate o tráfico, não faz operação policial, logo os seus maiores algozes são os camelôs. Grupo historicamente reprimido ao exercer a sua atividade sob a justificativa de que não há autorização para tal, uma categoria que já não tem seus direitos trabalhistas garantidos e que sofre com sua não regulamentação. Pessoas pretas, pobres e das periferias e favelas da cidade. Essa lógica de confronto não prioriza preservar vidas, pelo contrário, acumula vítimas. A violência cotidiana tem alvos certos: corpos negros; estes são 86% dos 1.239 mortos pela polícia do Rio de Janeiro em 2020, como mostrou o documento “A cor da violência policial” da Rede Observatórios da Segurança. Pensar mecanismos de produção de segurança está para além do uso da força, não há mais espaço para substituir ações de inteligência pela lógica do confronto. Seguindo essa lógica, quanto mais armas circulando, maior o risco de crimes serem cometidos. É por isso que numa cidade como o Rio de Janeiro, quando se pensa na dinâmica de sustentabilidade das milícias - ao extorquir comerciantes com taxas abusivas, ao controlar toda movimentação de seus territórios, ao se associar com o tráfico de drogas e ao promover guerras para tomada de territórios - somadas ao propósito institucional de controle social das nossas polícias, nesse caso incluindo uma Guarda Municipal armada, é o match perfeito para o caos. Para que se rompa esse ciclo é necessário dar prioridade à vida. Tendo como meta integrar os governos municipais ao planejamento de ações de segurança pública do Estado, controlando a circulação de armas e munições pela cidade, desenvolvendo políticas de prevenção e fortalecendo as instituições que façam controle da violência policial; medidas como essas seriam fundamentais para garantir direitos e desafiar o racismo estrutural que se estabelece no nosso modelo de segurança pública. O que nada mais é do que o extremo oposto do que armar uma guarda patrimonial causaria.

Como Anda a Luz no Jacarezinho?

Esta pesquisa faz parte de uma série sobre justiça e eficiência energética nas favelas do Rio. Para contribuir com esta pauta, clique aqui. Por: Bruno Sousa e Thiago Nascimento. Os problemas com energia elétrica nas favelas são crônicos e vêm desde o seu surgimento. O Estado falha ao entregar um serviço de baixa qualidade, e moradores—com improvisos—acabam sobrecarregando as redes e com isso toda a população das favelas sofre. São dias sem energia em suas casas, alimentos e eletrodomésticos perdidos e segundo os moradores, tudo isso piora no verão. Um levantamento* de dados foi realizado entre 4 e 24 de março pelo Laboratório de Dados e Narrativas na Favela do Jacarezinho (LabJaca) sobre a percepção de moradores da favela sobre a energia elétrica. A pesquisa no JacarezinhoZona Norte, trouxe em números um cenário já bem conhecido e frequentemente falado pelos moradores. Dentre os 40 entrevistados, 50% afirmam que sofrem com a falta de luz pelo menos uma vez por semana, 12,5% dizem faltar luz duas vezes por semana, 6,3% garantem que sofrem do problema três vezes ou mais na semana. Neste cenário, 68.8% sofrem com falta de luz pelo menos semanalmente. Já que 18,8% não souberam responder, isso deixa só 12,4% afirmando que falta luz menos que semanalmente. Quando foi perguntado qual foi o maior período que ficaram sem luz, o resultado foi abismante: 25% dos moradores entrevistados já sofreram a falta de luz por mais de uma semana contínua. Este bloco se compôs dos: 5% que afirmaram ficar sem luz por duas semanas; 10% que relataram ficaram até três semanas sem luz; 5% que afirmaram ficar mais de um mês sem luz; e 5% que afirmaram ficar mais de dois meses sem luz na sua residência sem que nada fosse feito. Como podemos ver no gráfico abaixo 72,7% dos entrevistados afirmaram que há menos de um mês tiveram falta de luz em casa. Imagine o prejuízo de ficar dias sem luz: para começar os alimentos da geladeira estragam, e com a frequência com que falta luz na comunidade, muitos eletrodomésticos e eletrônicos são danificados. Também perguntamos sobre isso aos moradores e dentre todos os entrevistados, apenas 36% não tiveram prejuízos financeiros com os apagões. Os demais se dividem em problemas variados desde dos 42% que declararam que ficam dias sem luz e por isso perdem alimentos e os cerca de 22% que relataram que perderam eletrodomésticos variados como geladeira—o mais frequente na lista—seguido de freezers, computadores, aparelhos de som, televisão e demais aparelhos mantidos na rede elétrica. Esses problemas são gravíssimos e esses prejuízos não são cobertos pelo Estado nem pela agência administradora de abastecimento de energia no Rio de Janeiro, a Light. Seguindo o princípio da dignidade humana, a garantia do acesso à energia elétrica é um direito fundamental, indispensável para assegurar qualidade de vida para o cidadão brasileiro. Conforme o artigo 22, da Lei n.º 8.078 de 1990: “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais contínuos”. No entanto, apesar desse reconhecimento da Lei, o precário serviço de abastecimento de energia elétrica nas favelas confronta o regime de Estado democrático de direito que pressupõe a garantia de direitos básicos para a população. No caso do serviço de energia elétrica nas favelas—como ficou demonstrado no levantamento que o LabJaca realizou no Jacarezinho—não é garantido um serviço qualificado. Isso só nos leva a crer que para certos grupos sociais esse bem é negligenciado.

Quando Isso Acontece a Quem Recorrer?

As opções sobre a quem recorrer não são tantas. Perguntamos aos moradores a quem eles recorrem quando falta luz em suas casas e fizemos essa nuvem de palavras com as respostas geradas. Fica nítida a rede de apoio montada dentro da própria comunidade, sendo ela formada pela associação, eletricistas da favela e parentes como mais citados, mas essa rede também denota a falta de confiança na própria Light e no poder público para resolver eventuais demandas. É comum o pedido de socorro a Associação de Moradores em posts nos grupos da comunidade com foto de postes pegando fogo. A Associação reforça que a falta de manutenção somada a sobrecarga de energia gera risco para os moradores e principalmente para as crianças da favela.

Tudo Piora no Verão

Verão é época de praia, cervejinha e diversão, mas também revela muitos problemas da cidade do Rio, como alagamentos e deslizamentos causados pelas chuvas e os temidos apagões na favela. Durante o verão muita gente está de férias, os estabelecimentos consomem mais energia para manter geladeiras, freezers e ar condicionados ligados. Os moradores também ligam seus aparelhos de ar condicionado na busca de fugir do calor e com isso acontecem muitas sobrecargas na rede elétrica, uma rede precária e sem manutenção. Quando perguntamos aos moradores em qual período do ano os problemas com a energia elétrica se tornam mais frequentes tivemos o único dado levantado 100% igual, os moradores em sua totalidade apontam o verão como a época com mais problemas relacionados à luz.
“Eu vivo aqui há 43 anos, tem gente que vive há 50, 60 [anos] e desde sempre é a mesma coisa, principalmente no verão com as quedas de luz que estragam os nossos aparelhos e as nossas coisas”, afirma Júlio César, um articulador social local e criador do JCRÉ Facilitador.
Os dados apresentados mostram as consequências geradas pelos constantes apagões e os longos períodos sem luz, mas os causadores do problema são diversos e variam desde a responsabilização de instituições como a RioLuz, que peca na manutenção dos fios e postes, até a sobrecarga na rede elétrica gerada pelos próprios moradores como mostramos novamente na nuvem de palavras. A favela que queremos passa pela cobrança de medidas efetivas das instituições responsáveis, mas também por campanhas publicitárias voltadas para essas áreas que tratem sobre a conscientização dos seus moradores. Desse modo, é urgente desafiar o estigma de que a favela é lugar de ilegalidade e desordem, para evitar essa segregação e encará-la desde já como parte da cidade.

Mas Afinal, de Quem É a Responsabilidade?

Na percepção de 31,6% dos entrevistados os próprios moradores são responsáveis pelo problema causado. São relatos como o de vizinhos que puxam um gato em uma fiação que já está prejudicada, pessoas que não têm entendimento sobre circuitos elétricos colocando a mão em redes que levam luz à casa de centenas de pessoas.
“A gente também enxerga uma responsabilização muito grande do governo que ao mesmo tempo que exige que a gente pague os impostos não entregam o serviço decente pelo que estamos pagando. Mas isso é mais do que só uma problemática com a Light, com o governo. É uma questão comportamental dos moradores também, que precisam entender que economizar luz está ligado a questão ambiental, está ligado a uma melhoria estrutural da própria favela”, declara Júlio César.
Mas apesar da autocrítica de moradores em reconhecer que também são parte do problema, principalmente sobrecarregando a rede, as instituições que deveriam cuidar e entregar um bom serviço falham. 21% dos entrevistados acreditam que o governo é o principal responsável pelo serviço ruim na luz da favela. São relatados anos de ausência do Estado nos quais necessidades básicas como saneamento e energia elétrica são negados e por isso a insatisfação. Outros 21% acreditam que a Light é a responsável pela má prestação do serviço. Entramos em contato com a empresa por telefone e e-mail, mas até o fechamento da matéria não tivemos resposta. O mesmo se diz sobre a RioLuz, que também não respondeu aos questionamentos até o fechamento. *O levantamento foi feito através de um formulário distribuído online e respeitou todos os protocolos sanitários recomendados pela Organização Mundial de Saúde. Com isso, e pelo número de respostas, existem limitações na capacidade de generalização dos dados para toda a favela. Porém os dados apresentados são fundamentais para impulsionar uma importante reflexão sobre o grau e impacto da insegurança energética na favela, e a urgência de mudar este quadro. Sobre os autores: Bruno Sousa, jornalista e pesquisador, é um dos cofundadores do LabJaca, onde é o coordenador de comunicação e também atua na área de pesquisa. Atualmente, está envolvido em uma pesquisa sobre reconhecimento facial aplicado a segurança pública no Brasil no CESeC. Bruno colabora para veículos como UOL, The Intercept Brasil e Huffpost. Thiago Nascimento, 23 anos, relações públicas e comunicação no LabJaca, é graduando em Direito na UERJ, coordenador adjunto do IBCCRIM – Rio, empreendedor pela Reciclar Design, gestor do Jacaré Basquete e criador da Campanha Jaca Contra o Corona. Sobre a artista: Natalia de Souza Flores é cria da Zona Norte e integrante das Brabas Crew. Formada em Design Gráfico pela Unigranrio em 2017, trabalha como designer desde 2015. Lançou a revista em quadrinhos coletiva ‘Tá no Gibi’, em 2017 na Bienal do Livro. Sua temática principal é afro usando elementos cyberpunk, wica e indígena. Esta matéria faz parte de uma série sobre justiça e eficiência energética nas favelas do Rio. Para contribuir com esta pauta, clique aqui.

Chacina na favela do Jacarezinho deixa ao menos 23 mortos e medo para os próximos dias.

Chacina na favela do Jacarezinho. Operação policial deixa ao menos 23 mortos.

Quarta-feira, dia 06 de maio de 2021. Menos de três semanas após a audiência pública do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre operações policiais no Rio de Janeiro, a população do Jacarezinho acordou com dois helicópteros, ao menos dois caveirões e muitos tiros. Duas pessoas foram baleadas no metrô a caminho do trabalho. Até a publicação deste artigo, 23 pessoas foram mortas na favela do até as 12:00h da manhã. 23. A operação, que tem sido liderada pela Polícia Civil com apoio da Polícia Militar, também teve ao menos um policial morto e outros dois feridos. O Jacarezinho sabe o que isso significa. Em pesquisa que analisa dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015, a pesquisadora Terine Husek Coelho demonstra que a morte de um agente de “segurança” aumenta a probabilidade de homicídios contra cidadãos na mesma localidade em 1150% no mesmo dia; 350% no dia seguinte; e em 125% entre cinco e setes dias mais tarde. Os dados ilustram um conhecimento que o morador do Jacarezinho e de outras favelas já tem. Em 2017 e 2018, respectivamente, quando um policial da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) da Polícia Civil morreu em outra operação como a de hoje e um delegado foi encontrado morto nas proximidades do morro, a Polícia Civil realizou duas semanas de operações-vingança na favela do Jacarezinho. Se hoje foram 15, quantos serão amanhã e depois, especialmente considerando a pesquisa mencionada acima? Ainda estamos em pandemia, além disso. Os moradores precisam se vacinar, afinal, a saúde pública é um serviço essencial do estado. Mas mesmo sabendo que uma operação impediria a saída de pessoas para a vacinação, a mesma foi aprovada, o que nos mostra que talvez o serviço mais essencial do estado seja justamente o assassinato da população preta e favelada que mora no Jacarezinho, no Alemão, na Cidade de Deus, na Baixada Fluminense... Em reportagem ao vivo no Bom Dia Rio, uma moradora relatou que iria se casar nesta manhã,  mas que não conseguiria sair de casa; outra testemunhou que estava planejada para dar à luz nesta manhã e não conseguia sair e chegar ao hospital, ou seja, uma que não pode trazer seu filho ao mundo ao mesmo tempo que em que outras quinze mães choram a morte. Voltando a audiência pública do STF, uma das determinações do Ministro Edson Fachin é que as operações fossem previamente aprovadas pelo Ministério Público (MP) estadual. Em vista do contingente de policiais e de mandados autorizando a operação, há uma indicação de que o MP aprovou essa operação. O que mostra que as instituições estão funcionando, mas que isso também pode ser um problema. Mas além de autorizar uma ação, o MP também deve garantir que todos os cuidados sejam tomados pelas polícias, controlando assim a ação policial, o que não acontece. O MP legítima a operação que até o momento matou 15 pessoas, além de não garantir o cumprimento de direitos constitucionais. Quero dizer que as polícias puxam o gatilho, mas nunca sozinhas.

Vi a maior chacina da história do Rio de Janeiro acontecer na minha favela

Por: Bruno Sousa Podem chamar de “operação mais letal da história” , mas o que vimos nesta quinta-feira (6) deve se confirmar como a maior chacina da história do Rio de Janeiro, com possíveis mais de 30 mortos e 25 oficialmente já confirmados. Um desastre, um terror como nunca vi no Jacarezinho. Por volta das 6h da manhã, o celular já apitava com relatos de moradores no WhatsApp, Twitter e Facebook sobre uma operação que começava. Os jornais matinais de televisão repercutiam uma operação como se fosse uma luta do bem contra o mal —sendo a polícia, o bem, é claro. O resultado disso é o que vemos, uma chacina. Não existe outro nome. Já presenciei operações com a ajuda das Forças Armadas por aqui e nada se comparou a isso. Não pode ser considerado normal. A matança promovida na favela do Jacarezinho precisa escandalizar a sociedade; o Supremo Tribunal Federal precisa punir esses agentes, que continuam a desobedecer às ordens.
Supostamente, não temos pena de morte no Brasil, mas, ontem à tarde, andei pelos becos e vielas do Jacarezinho e tudo que pude ver foi sangue, tristeza e indignação. Supostamente, não temos pena de morte, mas, até agora, já temos oficialmente 25 mortos em uma única favela do Rio de Janeiro em um dia. As sequelas que ficam são imensas. Vários comprometimentos destruídos, canos estourados, fios cortados, prejuízos financeiros para moradores e comerciantes e, o pior disso tudo, o adoecimento psicológico. As sequelas que as pessoas expostas a essa violência podem desencadear são incalculáveis. Não poderia encerrar sem responsabilizar e dar nome ao governador Cláudio Castro (PSC), sucessor de “mira na cabecinha” Wilson Witzel . Apesar de não dar declarações em público exaltando uma violência policial, como fez seu antecessor, Castro tem um governo com um número de mortes absurdamente maior do que o de Witzel.   Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo.
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