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A fome tem classe e cor: reflexões sobre o dia da saúde e nutrição

Por: Debora Silva do Nascimento Lima e Mariana Espíndola Robin

No dia 31 de março comemoramos o Dia da Saúde e Nutrição, data em que se incentiva a prática de atividades físicas e hábitos alimentares saudáveis. Mas no mês em que marcamos 1 ano vivendo a pandemia da COVID-19, para qual população tais práticas são possíveis? A partir disso, o que podemos pensar em relação a essa data?

Pensar e falar sobre saúde e nutrição é abarcar todo o significado e sentido de forma ampla, levando em consideração o acesso à água, saneamento básico, renda, que chamamos de determinantes e condicionantes sociais em saúde e defendendo o acesso à alimentação adequada, que é um direito considerando a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006 que é a Lei Orgânica de  Segurança Alimentar e Nutricional, a qual define que:

Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) entende-se a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006).

Nesta perspectiva, fazendo relação com o momento em que estamos vivendo, a pandemia tem se mostrado cruel e escancarando as desigualdades sociais existentes no Brasil em que as trabalhadoras e trabalhadores não estão conseguindo ter seu direito à saúde e alimentação garantidos pelo Estado. De acordo com o IBGE (2020), no terceiro trimestre de 2020 o desemprego chegou a 14,3%, sendo a maior taxa já registrada desde 2012. Já a Pesquisa de Orçamentos Familiares (2020), que trouxe dados dos anos de 2017 e 2018, apresentou que dos 209,5 milhões de brasileiros, pelo menos 10,3 milhões estavam em situação de privação severa de alimentos, segundo dados da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). Ou seja, a insegurança alimentar e a fome vem crescendo desde antes da pandemia, mas agora se torna mais expressiva e nos faz refletir: como está a situação das famílias nesse momento?

Além disso, a falta de políticas públicas eficientes no enfrentamento às consequências da pandemia da COVID-19 só contribuem para que a população não acesse alimentos de qualidade ou que tenham seus direitos minimamente garantidos. As políticas de transferência de renda se fazem necessárias para minimizar impactos da pandemia e do isolamento social e mitigar a segurança alimentar, como é o caso do auxílio emergencial, que se mostrou importante na renda das famílias. Como o nome já fala, emergencial, até o presente momento sem perspectivas concretas de manutenção do valor (R$ 600,00) e continuidade do repasse às famílias. Esta instabilidade violenta, mais uma vez, milhões de brasileiros.

Diante desse cenário, fazemos o recorte para alguns territórios. Quando falamos em periferias e favelas onde os impactos e as consequências das políticas liberais são marcadas, também, pela violência armada e subjetiva, a negligência e o descaso. Esses territórios são majoritariamente habitados pela população negra, sabendo disso, podemos chamar o que vivemos hoje de necropolítica em que o racismo é base para exercer o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer (MBEMBE, 2006). Portanto, a pandemia atinge desigualmente as diferentes classes sociais, mas, principalmente, a população preta e parda, e quando analisamos os dados por gênero, o IBGE (2020) evidencia que mais da metade dos domicílios em situação de insegurança alimentar são chefiados por mulheres.

Somado a esses fatores houve, ainda, o aumento no valor da cesta básica. Pensando nas trabalhadoras e trabalhadores que têm como renda um salário mínimo, estima-se que pelo menos 56,57% desta renda é comprometida com a compra de alimentos básicos. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos (2021), realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o valor da cesta básica no município do Rio de Janeiro, no início de 2021, estava em torno de R$ 644,00, dessa forma, superando o valor atual do auxílio emergencial.

É importante destacar que o aumento mais expressivo no valor dos alimentos foram nos itens que chamamos dos in natura  e minimamente processados,  como por exemplo, banana, batata, arroz, feijão e carne bovina alimentos que o Guia Alimentar para a População Brasileira (2014) preconiza como a base da alimentação tanto pelo componente nutricional, como expressão da nossa cultura alimentar. Com o aumento do custo desses alimentos o que se torna disponíveis para a população são os alimentos ultraprocessados, que são aqueles industrializados com inúmeros aditivos químicos que não só tem uma qualidade nutricional baixa, como também estão associados ao acometimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão, e desconsidera os hábitos alimentares regionais.

A luta pelo Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) sempre foi dos movimentos sociais no tensionamento do poder público para que os direitos estivessem garantidos. Sem a pretensão de ausentar o dever do Estado nesse processo, neste um ano de pandemia, destacamos as ações dos coletivos e movimentos de favelas que através de articulações múltiplas fizeram com que milhares de famílias não passassem fome.

Portanto falar da data que se comemora o Dia da Saúde e Nutrição no ano que estamos vivendo a maior crise sanitária dos últimos tempos, a qual está acontecendo na fase mais cruel do capitalismo até hoje é pensar numa nutrição crítica, reflexiva, combativa e comprometida com os interesses da classe trabalhadora e na luta pela garantia dos direitos.

Por isso, neste dia 31 de março continuamos afirmando que falar sobre saúde e nutrição é  investir na saúde pública, universal, de qualidade, como é o Sistema Único de Saúde (SUS), defendendo a destinação de recursos necessários para isso, a continuidade do auxílio emergencial no valor de R$600,00 ou mais e a garantia das condições básicas de vida digna, assim como o acesso a alimentos de qualidade. Defendemos que ter comida no prato é direito, que comer é um ato político, é cultura e partilha.

 

O SUS 

É NOSSO

NINGUÉM TIRA DA GENTE

DIREITO GARANTIDO

NÃO SE COMPRA 

E

NÃO SE VENDE!

Sobre as autoras:

Mariana Robin – Graduada em Nutrição pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Especialista em Saúde da Família pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz). Colabora com o LabJaca.

Debora Lima -Graduada em Nutrição pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Saúde da Família (ENSP/FIOCRUZ). Apoiadora Institucional da Atenção Básica no município de Cabo Frio. Colabora com o LabJaca.

Referências utilizadas 

BRASIL. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos-Janeiro 2021. São Paulo, 2021. Disponivel em: <https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2021/202101cestabasica.pdf> Acessado em 23 de março de 2021.

 

______. Lei Nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília, 15 set. 2006

 

______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a População Brasileira. 2 ed. Brasília: ed. Ministério da Saúde, 2014.

 

IBGE,Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em < https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php> Acessado em 23 de março de 2021.

IBGE, Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil/ IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. – Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 120 p.

MBEMBE, A. Necropolitique. In: Traversées, diásporas, modernités. España: Melusina, 2006. p.18- 75.